É compreensível o incômodo com a situação atual da educação do Brasil. Segundo o QEdu, apenas 34% dos estudantes que concluem o Ensino Fundamental aprendem o que deveriam aprender de Língua Portuguesa e 15% em Matemática. De acordo com o estudo Um Olhar sobre a Educação, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais da metade dos brasileiros não tem diploma do Ensino Médio. E somente 21% com faixa etária de 25 a 34 anos possuem diploma desta etapa, conforme dados do relatório Education at Glance 2019, divulgado pela OCDE. Esse é um cenário realmente muito negativo.

Mas será que neste âmbito as últimas décadas foram realmente perdidas? Quando nos debruçamos para compreender a “foto” atual, precisamos perceber o movimento, a trajetória. Em um “copo meio cheio” não é adequado olhar o volume atual, mas sim a velocidade em que ele está enchendo. E é sobre este prisma que percebemos uma boa evolução no sistema educacional brasileiro, dos anos 2000 para cá.

Nossa largada não foi agora, e sim lá atrás, no século XIX, quando nos tornamos uma nação independente e mais à frente abolimos a escravidão e passamos a debater a ideia de escola para todos; mas, de fato, foi uma partida atrasada, em relação a outros países da América Latina. Faltou para nós coordenação entre o poder central e o poder das províncias. Nosso país, com dimensões continentais, tinha à época uma realidade socioeconômica de base agrária, na qual famílias precisavam priorizar a colheita em detrimento da obrigação escolar. Em 1920, o Brasil possuía apenas 25% da população alfabetizada, enquanto, no mesmo período, no Chile eram 43%, na Argentina 52%, no México 54% e nos EUA 90%.

De lá pra cá, muita coisa mudou; outras nem tanto. Trazendo a análise para os dias atuais, foram nas duas primeiras décadas, desde o século XXI, que universalizamos o acesso à educação básica para toda a população a partir dos 6 anos de idade. Já em 2016, mudamos a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e antecipamos a idade mínima obrigatória para os 4 anos. Ainda não podemos cravar a universalização para esta faixa etária, mas, segundo números da PNAD Contínua, já passamos dos 90% de cobertura.

Entretanto, sabemos que acesso não significa qualidade. E este ainda parece ser o desafio das próximas décadas, já que tivemos um avanço razoável de níveis de aprendizado nos anos iniciais do Ensino Fundamental, um avanço mais tímido nos anos finais desta etapa e estamos estagnados no Ensino Médio.

Precisamos pactuar novos patamares de entrega. E, para tanto, é necessário continuidade; algo que de certa forma experimentamos no Ministério da Educação (MEC), na década de 90 e início dos anos 2000, e que somente é possível mantendo os insulamentos burocráticos nos setores mais técnicos, blindando-os dos debates ideológicos improdutivos (o que nunca esteve tão em risco como agora).

A emergência nos aflige, mas a tendência nos traz esperança.

Podemos ter imaginado uma educação mais futurística para o século XXI, mas, reconhecendo a trajetória, é possível esperarmos uma década positiva sob o prisma do avanço da resolução de dívidas educacionais ainda dos séculos passados.

Autor

  • Rogério Morais

    Rogério Morais é Secretário Executivo para a Primeira Infância do Recife. Também é líder MLG pelo Master em Liderança e Gestão Pública e colunista da Transamérica FM 92.7. Foi Secretário Executivo de Gestão Pedagógica da Secretaria de Educação do Recife por seis anos. É administrador e especialista em Gestão Educacional.

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